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Um dos rappers mais conhecidos do país, MV Bill não tem papas na língua. Dono do próprio selo, alternativa que encontrou para conseguir fazer frente às grandes gravadoras e vender dvds ao preço de R$ 5, o cantor ficou nacionalmente conhecido com o livro Falcão Meninos do Tráfico, um contundente relato pessoal sobre o universo dos meninos que trabalham no tráfico de drogas em diversas partes do país.

O Mensageiro da Verdade — significado da sigla inicial de seu nome — acredita que para resolver o problema das drogas no país é necessário educar a população antes de falar em discriminação. “Acreditando que se não houver uma melhor distribuição de renda no Brasil “estaremos muito mais próximos de uma luta armada do que de uma convivência harmônica”, o rapper ainda se estressa quando questionado sobre a polêmica levantada por Diogo Mainardi, colunista da revista “Veja”. No texto, o colunista afirma que os direitos autorais do livro Falcão: Mulheres e o Tráfico, pertencem à fornecedora da Petrobras, a R.A. Brandão Produções Artísticas. A fornecedora teria recebido R$ 4,5 milhões da estatal para tocar projetos como o de Bill, lançado pela editora Objetiva. De acordo com o rapper, ele apenas usou as notas da R.A. Brandão, mas detém os direitos autorais do livro.

Conhecido por seu engajamento social com comunidades carentes do Rio de Janeiro, em especial a Cidade de Deus, onde cresceu, o organizador da ong Cufa (Central Única das Favelas) conversou com os jornalistas do DIARINHO, Adão Pinheiro e Tamara Belizário, e o fotógrafo Felipe Vieira Trojan, sobre como anda o rap nacional e o seu novo trabalho, o dvd Despacho Urbano, em que apresenta rimas novas com a roupagem rock’n’roll.


DIARINHO – Você foi o fundador da Central Única das Favelas (Cufa). Que tipo de trabalho a entidade realiza e quais os resultados práticos?

MV Bill – Fui um dos fundadores, mas não o único. Foi junto com Celso Athayde e Nega Gizza, também rapper. A intenção era praticar aquilo que a gente só cantava em letras de rap. Sentimos a necessidade de fazer alguma coisa na prática para poder complementar a música. Hoje, os trabalhos da Central Única das Favelas (Cufa) não se limitam somente à cultura hip hop. Aliás, o hip hop é uma das coisas que a gente quase não trabalha dentro do nosso projeto. A gente ficou muito mais preso às questões sociais. Entre as atividades desenvolvidas pela Cufa, há cursos e oficinas. São diversas ações promovidas nos campos da educação, esporte, cultura e cidadania, com mão-de-obra própria. Tem prática esportiva como o basquete de rua, skate, dança, teatro, computadores ligados à internet, sem contar os eventos que organizamos no Brasil inteiro, que não são necessariamente os voltados às questões sociais. Tem, por exemplo, a Liga Internacional de Basquete de Rua (Liibra), que envolve comunidades de todas as regiões do país e que não precisam, necessariamente, estar fazendo algum tipo de curso em uma das bases da Cufa. [Vocês fazem intercâmbio com outras comunidades?] Envolvemos jovens que são membros de outras organizações, que acabam sendo parceiros.

DIARINHO -Você acabou de lançar um dvd chamado Despacho Urbano, que é uma versão rock das suas músicas. Por que tu escolheu o rock?

MV Bill – Eu até tava trazendo o dvd para deixar pra vocês. O voo passava por São Paulo, onde pretendia pegar os dvds, mas no meio do caminho o piloto decidiu ir direto pra Curitiba. Aí não deu pra pegar os nossos dvds. É phoda. Mas assim, na minha opinião, o rock e o rap são dois estilos musicais que trazem uma mensagem que pode atingir os jovens. O rock há muito mais tempo, porque é mais velho. São dois ritmos que, ao meu ver, movem a juventude mundial há algum tempo, há algumas décadas. O encontro dos dois já se deu em outros momentos. Não é uma novidade, rap com rock é apenas novidade dentro do meu trabalho, quando eu trago a minha versão. Isso não vai fazer com que eu abandone o hip hop, que continua sendo a minha vertente musical principal, mas misturar com outros ritmos acaba trazendo uma nova sonoridade. Nesse dvd, além dessa combinação musical presente em cada uma das músicas, tem também toda a minha videografia, todos os meus videoclipes, ou seja, o rap também está presente. É só uma forma de trazer uma nova sonoridade, buscar um som diferente e até na forma de vender também, a preços mais acessíveis, a R$ 5. Quando o preço tem uma variação, ele vai no máximo a R$ 8, pra não passar desse valor. E botar dvd a R$ 5 é uma forma de combater os preços abusivos das grandes gravadoras.

DIARINHO – Você chegou a cantar samba enredo. O que te levou a cantar rap?

MV Bill – Na realidade, eu já era um cantor de hip hop, mas meu pai que me puxou para o samba. Não é a minha praia. Interpretei um samba para meu pai, completamente sem jeito. Acho que foi muito mais por medo de ele ficar puto comigo e deixar de dar o nosso dinheiro, pois ele já era separado de minha mãe. Bom, foi para fazer uma vontade do meu pai, mas contra a minha vontade. Não curti a experiência, não.

DIARINHO – Santa Catarina tem uma forte colonização europeia, de base alemã e italiana, principalmente no Vale do Itajaí. É diferente fazer rap aqui do que no Rio de Janeiro? Tu sentes alguma diferença quando vem cantar aqui?

MV Bill – Na verdade não, cara. A única diferença que eu sinto é que as pessoas, às vezes, dão mais atenção do que nos lugares onde as pessoas necessitam mais ouvir a mensagem. [Dá pra dizer, então, que o catarinense entende melhor a tua música?] Não, não diria que o catarinense no geral, mas como você está falando de Itajaí, que é uma realidade completamente diferente da minha, da Cidade de Deus, por exemplo, eu sinto uma diferença. Quando eu chego em Itajaí e chego em outros lugares, até em Balneário Camboriú também, que é próximo daqui e tem uma plateia completamente diferente da que eu tô acostumado, noto essa diferença. Primeiro dá um espanto, né? Ver pessoas de uma outra classe social, de uma outra cor de pele, ouvindo as minhas músicas. Mais espanto ainda quando eu vejo que existe uma compreensão, me espanto mais uma vez quando eu vejo que eles estão curtindo, às vezes muito mais que os meus vizinhos da Cidade de Deus. Isso me fez rever alguns conceitos. No início, eu fazia a minha música prioritariamente para o lado dos pretos e de favela. Foi quando eu percebi que muitos desses jovens tavam muito mais antenados com o que tava rolando no funk, com o que tava rolando de drogas, com o que tava rolando na rua do que com a minha música. Eu percebi que não devia mais podá-la, tinha que deixá-la livre, deixá-la tocar para quem tivesse a fim de me dar atenção. Ainda que eu chegue a alguns lugares e a plateia seja majoritariamente de jovens não-favela, não-pretos, não-periféricos, eu acho que a mensagem não é invalidada. Acho que, de alguma forma, ela continua sendo assimilada, se a gente tiver, no futuro, jovens dessas mesmas classes que já são dominantes, mas jovens que ainda vão assumir o poder. Como negros, teremos ainda mais duas ou três gerações pra poder ter um número de pessoas que possam concorrer com as mesmas oportunidades. Discutindo os problemas sociais estaremos dando um grande passo. Se eles forem ocupar esses cargos mais uma vez, que são heranças de seus pais, e nessa ocupação eles tiverem um pouquinho de consciência social, racial, dá diferença de renda que nosso país tem, a gente pode ter, pelo menos, pessoas mais humanas, que podem fazer com que a riqueza seja distribuída de outra maneira.

DIARINHO – O fato de uma pessoa morar na favelas já é motivo para discriminação, principalmente no Brasil. Como mudar essa realidade?

MV Bill – A gente vem fazendo isso há muito tempo. Venho fazendo isso através da música. Tento buscar um equilíbrio entre a música e o projeto social. Nos projetos sociais que a gente realiza, embora não tragam essa marca racial, é visível a valorização do negro, principalmente por trabalhar dentro de favelas e lidar com questão social. Automaticamente, a maioria das pessoas que a gente atende é afrodescendente. A gente acredita que não é cobrando ou apontado culpados que vamos conseguir reverter esse quadro e trazer soluções. Mas quando a gente arregaça as mangas e mete a mão na massa, começamos a dar uma pequena contribuição. Embora eu já tenha percebido pequenos avanços, a gente ainda tá muito longe, muito aquém do que seria o ideal.

DIARINHO -Você tem ou teve algumas atitudes que são consideradas extravagantes e uma delas era dar entrevistas só na Cidade de Deus e usar o pseudônimo Alex Pereira Barbosa, como nome alternativo. Qual razão para esse comportamento?

MV Bill - Bom, no nome tem só que acrescentar o Ebinaldo ali no meio. Acrescentando o Ebinaldo tá tudo certo. Em relação à Cidade de Deus, isso era porque eu viajava menos. E eu metia uma certa marra quando as pessoas queriam fazer entrevista. Eu dizia que só falaria na Cidade de Deus. Isso foi uma forma que eu encontrei de levar a imprensa pra dentro da Cidade de Deus sem ter um corpo no chão, sem ter uma tragédia. Isso me ajudou a fazer com que a Cidade de Deus começasse a circular também na página cultural. Não deixou de sair da policial, mas começou também a passar na página cultural. Hoje, por conta da vida que tenho, faço entrevista aqui em Itajaí, então não tenho muita opção, não dá pra eu levar vocês pra Cidade de Deus (risos). Mas naquele início foi uma marra, na tentativa de mostrar que, embora seja um local violento, a gente também faz cultura. [Não é só bandido que mora aqui...] Exatamente. [Tu ainda mora na Cidade de Deus?] Moro na Cidade de Deus. Nasci lá por conta do acaso, dos projetos de vida programados pros pretos no Brasil, mas hoje eu vivo lá por opção. Depois que consegui grana, consegui status, fama e visibilidade, eu achei que seria justamente nesse momento que a Cidade de Deus ia precisar mais de mim, depois de estar famoso. Aí, hoje eu vivo lá por opção.

DIARINHO – Qual foi o resultado do livro e documentário Falcão – Meninos do Tráfico, que conta a história de 17 meninos envolvidos com o tráfico de drogas e suas vidas em diversas favelas. Dos 17, apenas um sobreviveu?

MV Bill – Cara, tipo assim, eu não esperava que o documentário fosse mudar uma realidade que tá instalada desde o fim da escravidão, quando teve a divisão do país em dois tipos de classe social. Um grupo ficou com a riqueza e o outro sem nada; nesse caso, os negros. Se você vai ficar sem nada, vai ter que trabalhar pra gente. Naquele momento, já ficou estabelecido duas posições que estão se perpetuando até os dias atuais: patrão e empregado. Essas posições não conseguem ser modificadas. Acho que o documentário veio lançar uma luz nessatreva, que é o assunto democracia racial, que a gente trata como se fosse um tabu. Eu acho que a nossa contribuição foi dar visibilidade às questões sociais e raciais. Trouxe o assunto à tona. A gente conseguiu botar favela e periferia na pauta das discussões mais importantes, mas acho que a mudança tem que ser conjunta. Claro que tem a nossa contribuição para discussão. Tem o que a gente faz para tentar reverter, mas acho que falta muito mais vontade, principalmente do poder público. Falta uma vontade política, falta uma sociedade mais igualitária, falta ainda uma sociedade mais humana, que olhe para essa situação com um olhar sem tanto preconceito. [Seria medo de perder o espaço?] Acho que é um pouco disso também, cara. Acho que tem muita gente que se sente numa posição cômoda, privilegiada por fazer parte de uma elite, só que precisamos lembrar que o Brasil é um país do tamanho de um continente e que a riqueza está retida nas mãos de uma minoria. Se essa distribuição de renda não chega a todas as categorias, a gente tá muito mais próximo de uma guerra civil do que de uma convivência em harmonia.




DIARINHO – Você foi vítima este ano dos ataques de Diogo Mainardi, que o acusa de ter recebido dinheiro da Petrobras através da R.A. Brandão Produções Artísticas e Guanumbi Promoções. Qual a explicação para essas denúncias?

MV Bill - Explicação não tenho a dar. As explicações, elas surgiram através das palavras das pessoas, que foram insinuações cheias de maldade. A R.A. Brandão existe, o dono já apareceu. A gente tá pegando a tentativa de maldade e transformando em uma discussão de verdade. A mesma acusadora também recebeu notas da mesma R.A. Brandão, você sabia disso? [Não?]. Como eu não sou dono da revista, eu não tenho como mostrar com a mesma visibilidade como fui acusado. [Na nossa pergunta, a gente falou que você foi vítima].. Pô, nem percebi o vítima no meio (risos) de tão foda que é. Mas assim, acabou ficando claro para todos que foi uma tentativa maldosa, na minha visão, preconceituosa. A R.A. existe e quando o advogado da Brandão botou no jornal O Globo uma carta dizendo que prestava serviços ao Grupo Abril, ao qual pertence a Veja, na semana seguinte a coluna do jornalista não veio. Simplesmente a revista não falou mais nada. E que acusação é essa que não tem fundamento? Uma acusação como essa tem que me prender. Se eu tô errado, eu tenho que ser preso, investigado. Minhas contas tão todas abertas, declaração de imposto de renda, tá tudo à disposição e quando bateram de cara na parede e perceberam que era um tiro no próprio pé, se calaram. Vocês são da imprensa, mas eu particularmente acredito que existe uma parcela da imprensa que é muito suja, que ganha com a especulação. Uma matéria totalmente montada na base do achismo e do denuncismo. O que eu achei curioso é que na mesma matéria ele fala da Fórmula 1, ele fala da Fórmula Indi e ele fala do Banco Itaú. Cara maluco, e se eu continuei no prato principal, fiquei pensando, devo ser a única instituição com moral nessa porra. Porque as pessoas só ficam com rabicho. O Itaú, ah o Itaú phoda-se. A fórmula Indi? Que se phoda. O MV Bill não. Então, acho, o que me pareceu foi isso, né cara, que eu sou o único cara com moral.

DIARINHO – Hoje você tem participado de campanhas antidrogas. Qual a relação que você tem com as drogas?

MV Bill – Se eu uso drogas (risos)? Fala aí cara, é isso que tu tá me perguntando… As campanhas têm que ser mais na linguagem dos jovens, acho que às vezes esse tipo de campanha fica distante da realidade, na verdade. Eu vejo muita gente pedindo descriminalização, às vezes legalização. Eu penso que esse é um caminho muito perigoso, porque em países que têm uma tolerância maior com as drogas, antes eles deram educação para as pessoas terem conhecimento. Se você pensar em trazer a discussão sobre as drogas já pensando em legalizar ou discriminalizar, antes de pensar em educação, me parece que você está colocando a carroça na frente dos cavalos. Eu vejo que hoje o mais importante é dar educação para as pessoas. Depois de um povo educado, aí sim a gente vai poder ter uma discussão aberta, legal, sobre legalização, sobre prevenção, tratamento para quem precisa. Eu tenho participado atualmente de algumas campanhas, principalmente no Rio Grande do Sul, mais precisamente em Porto Alegre, que são relacionadas ao crack, que é uma droga que vem devastando o Brasil, principalmente as periferias. É uma droga que só passou a ganhar a atenção das autoridades, da população, quando esse mesmo crack deixou de ser um problema só das favelas e passou a ser problema também em bairro nobre. Eu lembro que em Porto Alegre só depois de um jovem matar, acho que a mãe, a irmã e se matar, por conta da abstinência do crack, isso se tornou um problema estadual. Então hoje eu tenho me dedicado a campanhas contra o uso das drogas em oportunidades que muitas vezes não têm shows, que às vezes não têm renumeração, mas é uma maneira de contribuir.



DIARINHO – Ainda dentro da questão drogas, no seu entendimento, dá para resolver a questão do aumento do consumo?

MV Bill – Assim cara, porra, nesse momento o que mais me preocupa é o crack. É um droga muito forte, que causa dependência muito rápido e deixa um rastro de destruição pelos lugares que vai passando. Quando eu vejo os números que o crack tá alcançando eu fico preocupado, porque não consigo ver uma solução a curto tempo. Eu vejo algumas autoridades ainda batendo cabeça, que parece não ter conhecimento de como o crack está se alastrando, dos efeitos, de como é produzido, então me dou conta que está muito distante de uma solução. Eu vejo que é mais uma guerra que vamos ter que enfrentar. A gente tá se antecipando, indo a algumas cidades, inclusive aonde o crack não chegou com tanta força para desenvolver um trabalho preventivo, não só um trabalho punitivo.


DIARINHO – O cantor Seu Jorge disse recentemente em uma entrevista ter sido vítima de racismo em vários países. Ele inclusive deixou de vender seus discos em alguns países. Como você lida com o racismo?

MV Bill – Bom, só se surpreende com o racismo quem tá alheio a ele, quem tá pisando com sapato de cristal. Mas pra quem vive a realidade diária, que tá com esse assunto em pauta, não vive uma paranoia achando que tá sendo discriminado, mas tá escolado quanto a isso. Não se espanta quando vê. Eu achava que, antigamente, racismo era falta de educação. Não é. É um troço que tá na veia, é um sentimento. Quanto a isso, não tem nem o que mudar. Às vezes eu achava que, bem no início da minha carreira, a gente deveria pedir mais respeito das pessoas brancas, pedir mais oportunidade. Eu peço poder pros pretos. Peço a você, meu irmão, você que é preto vá estudar, vai fazer faculdade, se forme, ocupe um bom espaço de destaque, que pra mim você já vai estar fazendo a revolução. É a tua evolução que é a nossa revolução em conjunto. Mas tem que ficar ligado que existe o racismo. [Tu sente alguma diferença do Rio de Janeiro aqui pro sul, por onde você viaja, da relação das pessoas com o racismo?] Bom, o meu estado, a minha cidade, é uma das mais racistas do Brasil. É um dos lugares que mais me decepciona toda vez que eu chego. Já aconteceu um caso comigo de racismo na Zona Sul carioca, que é impressionante. A polícia carioca é muito racista, apesar de terem muitos pretos dentro da corporação, acho que é uma coisa de ensinamento mesmo, de treinamento, que leva o policial a ter essa cabeça preconceituosa. Os hotéis, no Rio de Janeiro, tão no meu ranking pessoal entre os primeiros na questão racial.

DIARINHO – Qual o seu envolvimento com a comunidade onde você nasceu?

MV Bill – Meu envolvimento com a Cidade de Deus é total, cara. Não sou líder comunitário. Não sou a pessoa que bate o martelo nas decisões, mas eu tenho um envolvimento sentimental com a comunidade, olhando para o meu próprio projeto que é a Central Única das Favelas (Cufa), que tem uma base lá dentro, mas percebendo que têm outros vários projetos importantes na comunidade. Estou sempre à disposição da comunidade.


DIARINHO – O rap sempre foi conhecido pelo estilo de música em que a questão social e política vêm bem à tona. Qual a tua avaliação do rap nacional? Vem surgindo gente nova e boa?

MV Bill – A Cufa tá promovendo um festival chamado RPB, RPB Festival, rap popular brasileiro. Assim como a Liibra, que é a Liga de Basquete, esse festival tá sendo feito em várias capitais do Brasil. E é uma tentativa de trazer novos nomes à cena, que tá precisando de um frescor, de renovação musical. Entre esses novos nomes, eu posso citar pra você, por exemplo, Romeu R3, um garoto do Rio de Janeiro, de 17 anos, muito bom; tem um grupo do Rio Grande do Sul chamado Rafuagem, que também é muito legal; tem um menininho, de São Paulo, que eu não lembro o nome dele. Mas são pessoas, são grupos, são jovens que talvez demorem um certo tempo para ter visibilidade e aí, analisando a cena atual de quem tá aqui, dos manos que já tão aí, tô sentindo uma certa fraqueza, apesar de eu, como Bill, viajar, estar tocando em vários lugares e tal, eu sinto que o hip hop como conjunto, como coletivo, tem andando de forma meio arrastada. Porque a gente, na minha avaliação (e eu posso estar completamente enganado), disputa um produto internacional, que é o hip hop americano. O funk carioca não disputa com nada, quando você fala, ah, Miami Base, que eles chamam de funk carioca, é um tipo de hip hop que se fazia na região da Flórida, em Miami, que não se faz mais. Então o funk carioca não disputa com nenhuma vertente internacional. Já o hip hop não. O hip hop disputa de uma forma muito desleal com a vertente gringa, que é mais dançante, mais sensual, apelativa, mais comercial, passa na televisão, toca em tudo quanto é rádio. Então as pessoas exigem que, no mínimo, façamos música com boa qualidade e têm muitos grupos que não tão fazendo música boa, em termos de produção, de letra, o hip hop aqui, principalmente. São Paulo começou a assumir uma coisa de banditismo assumido, o que não é bom, começou a mostrar que é mais legal ser malandro. Aí você vai em algumas periferias e vê moleque pequenininho já com marra de malandro, querendo imitar o grupo que ele gosta. E não é isso que eu quero pregar. Eu quero que o jovem que vá pro meu projeto, não fique com marra de bandido para ser respeitado. Quero que seja respeitado pela tua cabeça, pelo teu conhecimento, então no nosso projeto a gente atende uma porrada de gente que não gosta de hip hop, mas entende a importância de se informar, de evoluir e mudar a sua própria vida. Eu torço pra que 2010 seja um ano melhor pro hip hop em conjunto. Pra mim, MV Bill, 2009 tá sendo ótimo, 2008 foi legal, mas em conjunto pro hip hop eu quero melhorias pra 2010, melhorias essas que dependem somente do próprio hip hop.


DIARINHO - O crime organizado hoje tá espalhado, presente em todas as regiões do Brasil. Até tu se admirou quando foi escrever o livro, subiu nas favelas e viu que não é só no Rio de Janeiro. Como que tu vê o crime organizado?

MV Bill – Bom cara, eu acho que o crime só se organizou porque o poder público deixou que esses lugares onde o crime se instalou durante anos ficasse organizado. A desorganização do poder público permitiu que o crime se organizasse. A ausência do poder público fez com que o crime se instalasse. Vou usar um exemplo pra vocês daqui de Santa Catarina. Eu relato isso no livro Cabeça de Porco, que é o primeiro que eu fiz em parceria com o Duarte Soares e o Celso Athayde. Foi uma das primeiras visitas que eu fiz à Santa Catarina. Em Florianópolis, foi o primeiro lugar que eu achei estrutura de tráfico de drogas igual do Rio. Fogueteiro, barricada, linguajar. O rapaz que na época era o chefe do tráfico que nos recebeu tava com uma espada na cintura, semelhante a que o Elias Maluco matou o Tim Lopes (jornalista assassinado pelo tráfico no Rio de Janeiro). E quando eu fui falar desse meu espanto nos jornais em Floripa, as autoridades da época disseram que eu tava equivocado, e que Floripa não tem favela, tem concentração de pobreza. Bom, chama do jeito que quiser, tá lá. Quando tem esse tipo de descaso, esse tipo de desatenção, esse tipo de menosprezo, faz com que o crime cresça cada vez mais. Então, infelizmente, no Brasil inteiro, o crime chegou, se instalou e cresce. Tá em cidades onde têm menos visibilidade, tipo, o interior de Goiás, as cidades satélites de Brasília, outras cidades do Nordeste, tipo Alagoas, têm menos visibilidade, não moram celebridades nesses lugares. A grande imprensa não mostra, mas morre muita gente. Proporcionalmente, Recife é muito mais violento que Rio e São Paulo, cara, só que lá não mora celebridade, lá não tem emissora de tevê instalada. Então o que acontece lá é problema daquela cidade. Às vezes, um tiroteio em Ipanema, sem nenhuma vítima, tem muito mais repercussão que uma chacina em Salvador onde morrem cinco jovens sem nenhum antecedente criminal. [Então, tu acha que o jovem vai pro crime pela falta de posição do governo?] Não, eu não usaria isso como justificativa, porque também é uma maldade e uma coisa muito cômoda, mas acho que contribui. Não tem oportunidade, não tem lazer, não tem direcionamento, não tem uma presença, não tem um alento, não tem uma luz, não tem a quem procurar, acaba contribuindo pra quem tá com a cabeça vazia. Mas eu não costumo usar isso como justificativa, porque a maioria dos jovens não tem as mesmas oportunidades e não entra pro crime. Vão estudar, vão buscar vencer de outra maneira. Aí tem essa parcela, que não é grande, é minoria absoluta, mas que exerce um grande domínio sob a comunidade porque tem armas.

DIARINHO – Quais são os seus projetos para 2009 e como foi a participação no filme sonhos roubados?

MV Bill – Além do dvd, que é uma coisa atemporal, que a gente não tá com pressa de fazer esse show de rock, que não apresentamos em lugar nenhum ainda, só entregamos para as pessoas, eu tô finalizando um cd chamado Caus & Efeito, que eu devo até tocar umas músicas hoje aqui – (a entrevista foi feita no dia 7, data da apresentação em Itajaí) –, que sai em outubro pelo meu selo. É um cd com músicas inéditas, no qual eu vou investir em músicas de rap misturadas com violino (faz movimentos de quem tá tocando um violino). Tem também o filme da Sandra Werneke, que foi uma experiência muito bacana (Sonho Roubado), que sai agora no segundo semestre, ainda sem data. Vi uns trechos, uns pedaços e ficou bem legal e estamos aprontando para o ano que vem, Celso e eu, um outro livro, mas um livro que talvez vire um roteiro, que é um livro falando um pouco da minha vida, um pouco da vida do Celso. Nele vamos fazer o cruzamento de histórias até a gente se encontrar e a gente tá pensando seriamente em roteirizar esse trabalho.

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